quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

The Horrible Crowes - Elsie

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A vingança enquanto prato criativo
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O nome deste projecto paralelo do vocalista de Gaslight Anthem foi inspirado pelo poema inglês “Twa Corbies” – em que dois corvos discutem sobre a forma de consumir os restos mortais dum cavaleiro abandonado pela sua amada –, espécie de comentário sombrio sobre a vida, em que ou devoramos ou acabamos por ser devorados. E o álbum gira em redor de três relacionamentos amorosos que destroçaram Brian Fallon, inspirando-o a discorrer sobre a merda que são as relações humanas, especialmente as românticas. Acabam por ser essas memórias, a maior parte delas pouco agradáveis – à excepção da última faixa –, que povoam as músicas com fantasmas de mulheres, como quando canta «I carry each and every ghost of my lovers at once em “Go Tell Everybody”.
Tendo Brian Fallon como protagonista, é quase inevitável entrar em comparações com a banda de Sink Or Swim. Mas aqui a combustão das melodias é mais lenta e fumarenta, para ouvir no silêncio das horas tardias, sem ruído em redor. As raízes punk estão mais escondidas. E também não existem tantos hinos à Boss (é bom recordar que os Gaslight Anthem, oriundos de New Jersey, têm em Bruce Springsteen uma espécie de padrinho espiritual), daqueles que levantam estádios e corações. Se a veia eléctrica e enérgica de Gaslight Anthem pode sair vencedora dum festival ao ar livre, este projecto (entre o contemplativo e o melancólico, quase sempre acústico) pede mais uma sala que crie um ambiente íntimo, com maior proximidade entre a banda (Fallon gravou o álbum com o seu amigo Ian Perkins e músicos convidados) e o público.
Fallon comprova os seus dotes de letrista (em vez de contar histórias, aqui canta dores e desamores), compositor e vocalista, com iguais doses de talento e paixão, expondo as cicatrizes que em Gaslight Anthem estão tatuadas pela energia do rock. Existem algumas malhas intensas (a exemplo de “Behold The Hurricane”, com o coro eléctrico que ecoa por uma casa vazia) e outras que vão ganhando força – como “Mary Ann”, rasgada por berros e guitarras –, mas o tom geral é outro. “Last Rites” lança a toada, com as vozes e o piano envoltos numa cortina de fumo e uma letra que fala de enterrar memórias vivas; com “Sugar” balança-se ao sabor do desengano e “Black Betty & The Moon” esconde uma mensagem terrível sob a inocente melodia.
Reza a história que, no concerto de estreia de Horrible Crowes, Brian Fallon agradeceu às raparigas que lhe partiram o coração, aos respectivos namorados actuais e às mães que criaram essas “mulheres horríveis” por o terem inspirado a escrever estas músicas. A vingança, afinal, também pode ser um prato criativo.
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Publicado originalmente no Bodyspace, mais concretamente aqui.

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