terça-feira, 24 de janeiro de 2012

As melhores canções de 2011

1 - B Fachada: "Deus, Pátria e Família"
Se toda a gente já teve, tem ou ainda vai ter o momento em que passa de hater a lover do universo musical muito particular de B Fachada, esta terá sido a minha epifania; o momento em que a cena bateu e pensei estar perante um talento e não uma fraude. Algo como: «Eh pá! É melhor parar de gozar com este gajo e passar a escutar o que ele faz». E o que B Fachada canta neste disco de Verão quente tem todos os ingredientes que compõem uma grande canção. Em vinte minutos há galinhas a cacarejar e piano a esvoaçar, voz que canta idiossincrasias pátrias e íntimas sob uma melodia entre o ululante e o libertário. Há, sobretudo, uma canção que acerta no centro dum alvo em movimento, sem floreados nem concessões.

2 - PJ Harvey: "Written On The Forehead"
Esta é uma das canções que fizeram de Let England Shake um dos melhores discos de 2011. A toada lânguida de “Written On The Forehead” e as palavras melodiosas mas incendiárias de Polly Jean Harvey são reforçadas pelo sample de “Blood And Fire” – clássico reggae de Niney “The Observer”. O “Let it burn, let it burn, let it burn, burn, burn…” que atravessa a faixa como uma espécie de mantra (vindo da gravação original ou dos lábios de PJ) continua a ecoar nos ouvidos muito depois de a música terminar. É deixar arder, talvez a cura chegue entretanto.

3 - Panda Bear: "Benfica"
Tomboy termina em apoteose desportiva, com uma faixa dedicada ao Glorioso. Nela canta-se o valor da vitória e ouvem-se os adeptos, puxando pela equipa em uníssono, numa imensa onda que varre as bancadas de lés-a-lés. Sente-se a ambição pela vitória, inscrita nos genes do Clube. Se passasse no Estádio da Luz em dias de jogo, este hino funcionaria certamente como talismã para o Benfica – dando descanso aos UHF, por exemplo – e seria ouvido por dezenas de milhares de almas em êxtase simultâneo. Assim, permanecerá como um tesouro acessível a quem ouvir o registo de estúdio ou se deslocar aos concertos deste ilustre lisboeta, o que lhe reserva um charme mais discreto.

4 - James Blake: "Limit To Your Love"
Numa era em que a tecnologia democratiza a criação musical (e a respectiva difusão) multiplicam-se covers/versões de tudo e mais alguma coisa, mas as que merecem uma mera audição já são poucas. Raras mesmo são as pérolas que brilham de tal forma que ofuscam o original. É o que aconteceu com a música que tornou James Blake um dos meninos queridos do ano passado. Ao pegar na balada da canadiana Feist, despindo-a ao essencial – piano, voz e electrónica suave –, criou um clássico contemporâneo. Tal como aconteceu com “Hurt”, de Nine Inch Nails, após a interpretação de Johnny Cash, esta música agora (também) é de James Blake.

5 - PAUS: "Malhão"
Existem outras faixas igualmente boas no primeiro longa-duração de PAUS, outras músicas que cruzam como poucas bandas conseguem fazer balanço com intensidade e batida com electricidade. Mas nenhuma delas tem um refrão que dá vontade de repetir ao ouvido duma miúda gira que nos dê trela às tantas da manhã: “Mordi-te antes que / Antes que me mordesses tu / Despi-te com medo que / Com medo que me visses nu” é algo tão belo e afrodisíaco que deveria andar sempre na nossa carteira, ao lado das embalagens “Durex”.

6 - Tom Waits: "Hell Broke Luce"
A toada é militar mas Tom Waits é tudo menos ortodoxo – aquilo em que este alquimista da música toca transforma-se em lingotes de ouro clandestino. Neste caso derrete uma batida diabólica que faz lembrar a chegada das tropas inimigas e ergue a barricada sonora com que se defende das bombas disparadas pela guitarra eléctrica. Quase que o podemos visualizar nas trincheiras, de capacete e uniforme – mas com o chapéu e o fato debaixo do braço –, à espera de escapar para junto do piano quando o Inferno conceder uma trégua ao seu exército.

7 - Diego Armés: "Entre Dentes"
Neste quadro poético dos afectos e dos encantamentos, um estado de graça flui entre as cordas, o acordeão e a voz, criando uma espécie de pacto secreto selado pelas palavras, enigmáticas mas que dão sentido e força a tudo o resto, saindo da boca de Diego Armés para arrepiarem os ouvintes como uma tarde fria de Outono. Primeiro insinuando-se aos sentidos, numa toada lenta e envolvente, depois embalando os enganos num ritmo que ora avança ora se detém. Uma canção misteriosa numa estreia a solo que não engana.

8 - Halloween: "Drunfos"
A Árvore Kriminal está cheia de rimas tão brutais como um ataque terrorista e eficazes como um remate de pé esquerdo do Cardozo; mas nenhuma será tão plástica, tão moldável quanto o «Hoje vou sair, vou rolar / Vou dizer a todas as miúdas “Olá!”». Experimentem adaptá-la a outras situações e perceberão que estes drunfos um dia podem estar disponíveis em saquetas numa qualquer farmácia, de forma perfeitamente legal, sob a forma de genéricos para aliviar as dores de costas. Porque o produto original (a real thing) é de Allen Halloween, e é pouco provável que ele ceda a patente de mão beijada.

9 - Buraka Som Sistema: "(We Stay) Up All Night"
Se o “Benfica” do Panda Bear é o hino para a Catedral Sagrada, este é o salmo dos templos profanos de prazer, luxúria e abandono. Para agitar a pista enquanto se lava a vista; transpirar como se tivéssemos corrido quilómetros ao som dum sistema cada vez mais oleado e ao qual sobra inspiração. Se organizarem uma festa e o ambiente estiver a arrefecer, sempre podem experimentar meter esta malha a bombar no máximo. O mais certo é conseguirem o efeito desejado; mas se a cena não ressuscitar, caguem e vão à procura dum sítio onde ainda não esteja tudo morto e acabado.

10 - Rebecca Black: "Friday"
Escolhi esta como poderia fechar com a “Morena Kuduro” ou a “Ai, Se Eu Te Pego” – ambas na voz de José Malhoa, claro –, ou qualquer outro êxito sem pés nem cabeça, cuja razão de ser é a paródia. Os minutos de risota proporcionados por músicas que geram videoclips absurdos e justificam como o mais perfeito dos álibis danças bizarras são priceless. E o que não tem preço é muito valioso numa altura em que o custo de vida anda pela hora da morte. Escolhi a “Friday” porque foi esta que o Paulo Cecílio passou nas Festas do Bodyspace, em performances que já pertencem ao imaginário colectivo. p.s. – mas se ele tivesse passado a “Paradise”, ou outra qualquer de Coldplay, não havia abébias para ninguém. Até o mau gosto tem limites.
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Artigo colectivo publicado originalmente no Bodyspace, mais concretamente aqui. Ver também parte do artigo no P3 do Público.

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