terça-feira, 30 de agosto de 2011

Todos Santos - O Preço do Vento


West Side Stories.

Qual é o preço do vento? Uma enigmática voz responde à questão em “Hoje Estou em Dia Não”, que fala de noites emocionalmente conturbadas enquanto os instrumentos apelam ao escapismo da dança. Antes contam-se histórias mais ou menos bizarras da “Cidade Sem Lei” que é o imenso (far)Oeste lusitano – a música é rasgadinha, contabiliza tiros madrugadores, bebidas azuis e tem vídeo fresquinho. Também há lugar para personagens mais sedutoras, como a “Dona Rosa”, que nos convida para um tango perfumado por guitarras e acordeão, ou para a estroinice do “Pequeno Paulo”, espécie de Chico Fininho com aroma patchouly dos tempos modernos.
Os temas surgem sobretudo em toada rock, com influências blues e folk. “Situação” abre o alinhamento com energia e hedonismo, bateria e guitarra em disputa acelerada após a intro contida; seguem-se canções que equilibram balanço e contenção, como “A Amiga do Queixo”, ou que se deixam conduzir pelos acordes do baixo de Rodrigo Pereira e os solos de guitarra de Pedro Queijo – é o caso de “Deixar o Barco Passar” e de “Os Defeitos”, por exemplo.
O álbum de estreia deste quinteto que tem um pé na praia e outro nos subúrbios da capital foi produzido por Bernardo Barata (o baixista de Diabo na Cruz e Feromona também fez coros em várias músicas) e encontra-se disponível para download gratuito. Menos do que o preço do vento…
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Publicado originalmente no Bodyspace, mais precisamente aqui.

Marc Ribot @ Cinema S. Jorge - 12/4/2011

Foto de Mauro Mota

Ribot domina a guitarra como poucos (a sua carreira – tanto nas bandas por que passou como nas diversas colaborações que tem feito ao longo dos anos ou nas performances a solo – fala por si), mas não segue o caminho do show off estéril. Antes cobre as composições de alma e musicalidade, o que é fundamental para sustentar quase duas horas de concerto instrumental a solo. A actuação é feita de grande entrega – o músico e a guitarra chegam a estar colados como dois amantes –, embora estejamos num concerto de e para gente sentada, muita dela dispersa pelo chão do auditório, no espaço disponível entre o palco e as cadeiras. Há até quem se esparrame no chão, como se estivesse num jardim, descansando o olhar no firmamento – a melhor tela de drive-in inventada até aos nossos dias.
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Link para o artigo integral, publicado originalmente no Bodyspace.

Seu Jorge and Almaz - Seu Jorge and Almaz


Diamante psicadélico?

Seu Jorge regressa, após América Brasil, um dos seus álbuns mais “farofeiros”, com um registo que tem mais groove nas veias do que samba no pé, mais electricidade do que batucada. Daí que a imagética do diamante psicadélico presente na capa do álbum não seja de todo inusitada. Nem o facto de o álbum ser editado pela americana Now-Again Records, vocacionada para sonoridades soul e funk. Esta mudança sonora nem é de estranhar, pois este brasileiro cosmopolita faz-se acompanhar da Banda Almaz que, além do baixista António Pinto, integra Pupillo (bateria) e Lúcio Maia (guitarra), da Nação Zumbi, banda seminal criada por Chico Science e expoente maior do Manguebeat.
Mais de metade das músicas aqui presentes são covers de outros respeitáveis artistas – “Rock With You”, de Michael Jackson, é apresentada em toada de funk lento, sensual e lânguido; “Cristina”, de Tim Maia, surge como nova ode feminina, após dedicatórias a Carolina e à Mina do Condomínio, por exemplo. Tal não deverá acarretar qualquer espécie de preconceito, pois Seu Jorge é responsável por algumas das mais belas versões dos últimos anos, não só nos álbuns em nome próprio como, principalmente, na banda sonora de The Life Aquatic. Nesta película do realizador Wes Anderson, a personagem desempenhada por Seu Jorge (Pelé dos Santos) interpreta em português músicas originais de David Bowie, tais como “Rebel Rebel” ou “Life on Mars”, duma forma que chega a roçar o sublime. O problema é que em Seu Jorge And Almaz se encontra muita competência nestas interpretações, mas raramente o resultado final chega a impressionar pela sua originalidade ou pela alma nelas depositada. Oiça-se “Everybody Loves The Sunshine” (tema clássico de Roy Ayers), que decerto vai gozar de bastante airplay, seja nas rádios como em qualquer soalheira esplanada, para perceber a ideia. 
Seu Jorge já disse, numa entrevista, que neste álbum tentou por vezes fazer ocean music, procurando transmitir a vibração da praia e do oceano. E é isto que está, de facto, presente em várias composições, em que se exploram sonoridades que remetem para esses ambientes, seja através das clássicas guitarras da surf music (oiçam-se, por exemplo, “Saudosa Bahia” ou “Das Model”) ou da própria temática – a hipnótica “Cirandar” é uma ode ao mar e um pedido de protecção para os pescadores. Já o psicadelismo, por seu lado, encontra-se bem patente no solo de guitarra e nos refrões de “Pai João”, na letra de “Errare Humanum Est” e em “Girl You Move Me”.
“Juízo Final” (que é quanto a mim a melhor música do álbum e, também, a súmula de influências e sonoridades presentes neste trabalho, que vão do samba ao psicadelismo): saúda-se a vontade de renovação, mas faltará – tanto às versões como às composições originais – aquele desejável golpe de génio, o grão na asa que fizesse Seu Jorge e restante tripulação levantar voo, num cintilante O.V.N.I. em forma de diamante, rumo a outras galáxias.
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Publicado originalmente no Bodyspace, mais precisamente aqui.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Entrevista - Mike Stewart

Foto de Mauro Mota
O “Rei” pode não andar na luta pelo trono, mas aos 48 anos de idade continua a passear classe pelo circuito mundial. Aproveitámos a sua presença na etapa da Praia Grande para sabermos como se mantém em forma e o que o motiva a continuar a correr o tour, numa pequena conversa que teve lugar na tenda da Modjo e na qual Mike Stewart aponta também alguns dos favoritos a vencerem o título este ano. Com a certeza que o campeonato de Sintra pode ter muita influência nos resultados finais.
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Como é que aos 48 anos se mantém uma invejável forma física? Podes dar algumas dicas para quem pretende estar em forma, pratique ou não desporto de competição?
Eu trabalho para manter-me em forma, porque não é algo que aconteça só por si. Se estás a envelhecer e pretendes continuar a desfrutar das ondas a um bom nível, seja a competir ou não, tens que fazer por isso. A tendência natural é para o corpo decair, mas com trabalho é possível manter uma boa forma. O estilo de vida atual da maioria das pessoas não é lá muito saudável, mas se as pessoas levarem um estilo de vida mais saudável, isso reflete-se na forma física. Em primeiro lugar é preciso comprometeres-te contigo mesmo a levar um estilo de vida saudável. Eu procuro deitar-me cedo, dormir entre sete a oito horas, beber muita água de boa qualidade – e a qualidade da água tem vindo a piorar –, comer comida orgânica, sem antibióticos ou organismos geneticamente modificados, e fazer exercício. Depois de acordar aqueço e faço alongamentos, durante cerca de uma hora. E o meu dia é organizado em blocos de tempo, que posso estruturar conforme estejam as ondas. E, além do bodyboard, também faço ginásio, não durante muito tempo mas com bastante intensidade.

És o bodyboarder com mais títulos mundiais de sempre e a maior referência da história deste desporto. Nesta altura encontras-te em 15º lugar no ranking IBA. Qual é a motivação que te faz continuar a competir?
Para mim, correr o circuito tem uma variedade enorme de objetivos. Ao mesmo tempo posso vir até cá tratar de negócios, ajudar a minha equipa e competir. Por isso, viajo não só para a competição como para outros fins. E tiro benefícios disso: encontro-me com os distribuidores e representantes (da Science, Gyroll e Viper), acompanho a equipa e tomo o pulso ao que se passa no meio, de forma a que me aperceba do que se está a passar para criar produtos adequados às necessidades do mercado. Vou continuar a competir enquanto me apetecer, só paro quando me deixar de divertir. E este ano as ondas têm estado muito boas, por isso tem sido divertido.

Qual foi o feeling de partilhar ondas com o teu pai e o teu filho?
É fantástico poderes partilhar com a tua família as emoções de apanhar ondas. Surfar é uma atividade bastante egoísta, embora nos custe admitir isso: não gostamos de dividir as ondas e apanhamos as ondas só para nós. Por isso, quando podes partilhar esta experiência tão pessoal com alguém… é uma sensação muito boa.

Ouvi-te dizer numa reportagem que quando se surfa se usam seis sentidos. É um pouco uma metáfora que demonstra a riqueza do ato de deslizar nas ondas?
Sim, não podemos controlar o Universo, mas podemos estar em completa harmonia com ele. E é nesses momentos em que estás em total harmonia com o Universo – como quando estás a surfar – que parece que entramos numa dimensão diferente da realidade. Por isso é que se pode dizer que se estão a usar seis sentidos e não cinco enquanto apanhamos ondas.

Quem achas que são os maiores favoritos a ganhar o título este ano?
Este campeonato (da Praia Grande) é muito importante, vai ter bastante peso nos rankings. Como é no meio do ano, muitas vezes funciona como um momento de mudança: quem está mais atrás pode ficar melhor colocado com um bom resultado, ou vice-versa. Se ganhares aqui, ainda tens hipóteses de ser campeão. O Jeff (Hubbard) está na melhor posição, com dois primeiros lugares; o Ryan Hardy tem um primeiro e um segundo lugar; o GT (Guilherme Tâmega) tem um primeiro lugar; o Magno e o Rigby têm cada qual um segundo lugar, por isso se ganharem aqui estão na luta. E se os outros que estão nos primeiros lugares ganharem aqui, ficam muito bem posicionados para ganhar o título. Muito se pode passar a partir deste campeonato…
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Entrevista publicada originalmente na Vert, mais precisamente aqui.

As Melhores Canções de 2010 Para o Bodyspace


Estão cada vez mais por todo o lado e com rédea solta; criam adição, criam vício, destroem lares. Toda a gente conhece casos assim e não existem grandes leis que defendam os Homens delas. Não tardarão nada a ser estudadas pela Universidade de Wisconsin pela profunda capacidade de dividir e ao mesmo tempo unir os povos e pelo contributo para a criação de um património mundial invisível de grande valor emocional. São ao mesmo tempo geradoras e destruidoras de sonhos, forma e estilo de vida. Falamos obviamente das canções que, ano após ano, veiculam mensagens políticas, analíticas, amorosas, tenebrosas, polémicas, endémicas; frases que circulam de blogue em blogue, de post de Facebook em post de Twitter, trauteadas pela rua na mais bonita liberdade. Feitas em estúdio recorrendo às mais modernas técnicas de produção, saídas do quarto graças à junção de esforços de um solitário sonhador. Mas feitas, sobretudo, para usufruto de quem quiser dedicar-lhes algum tempo da sua vida. Cada vez mais misteriosas, cada vez mais importantes. As seguintes, fizeram desta redacção uma redacção mais feliz e com motivos para recordar 2010 como um ano de vícios saudáveis.


Link para o artigo colectivo; e link para as escolhas individuais.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Topes Bodyspace 2010


 
Ei-los. Os topes Bodyspace deste nosso querido 2010. Terminado que está o ano musical, feitas que estão as contas, apontadas que estão as preferências, rompidos que estão os discos favoritos, escrutinados que estão todos os votos, apresentamos, como é já da praxe, os nossos obrigatórios topes anuais. Os melhores discos do ano (sem descriminações de nacionalidade ou de outra espécie), os melhores portugueses do ano (ou um zoom mais do que merecido), os topes individuais (cada qual com as suas manias), os melhores momentos do ano (mais ou menos musicais) e os topes ilustres (mais do que ilustres), pedidos a alguns dos músicos que este ano tiveram, por uma razão ou outra, destaque nas páginas do Bodyspace. Com isto queremos premiar aqueles que, na nossa opinião, fizeram de 2010 um ano melhor para se ouvir música e deram a Apolo mais razões para não se vingar com uma tormenta daquelas. André Gomes
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Link para o artigo colectivo na íntegra. Publicado originalmente no Bodyspace.

PAUS @ Lux - 17/2/2011


Começando ao contrário, que esta foi a última vez; mas também a primeira. Se qualquer concerto se quer uma experiência única, estas datas em que os PAUS levaram convidados especiais ao Lux, foram irrepetíveis. Ontem os convidados foram Chris Common, baterista dos These Arms Are Snakes – anunciado atempadamente –, e a surpresa da noite: os Tocándar. Antes da banda da bateria siamesa subir ao palco, já os membros do grupo de percussão vindo da Marinha Grande estavam entre o palco e a plateia, fazendo ressoar os bombos de pele de cabra. Quando os PAUS entram em cena, acompanhados por Chris Common, entra-se numa renovada dimensão de intensidade, que cruza electrónica com electricidade, noise-rock e psicadelismo. O som é visceral, ao mesmo tempo cru e polido. Uma harmonia surpreendente que se entranha.
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Link para o artigo integral. Publicado originalmente no Bodyspace.

Johnny Cash - American VI: Ain't No Grave



Despedida serena dum ícone maior do que a vida.

Este é o capítulo final da série American Recordings (produzida pelo mago Rick Rubin) e da enorme carreira do Man in Black. Gravado em 2003, ano da morte do músico, foi lançado apenas este ano, por ocasião do seu 78º aniversário.
Gravado apenas três meses antes da morte de Johnny Cash (sendo que June Carter, a sua companheira de décadas, faleceu durante as gravações), este álbum tem uma forte carga emocional e espiritual – mas não com a forte carga dramática de “Hurt”, por exemplo. É a despedida de alguém que viveu tudo o que tinha para viver e que, sabendo que o seu dia se aproxima, está em paz consigo mesmo, não abdicando dos seus ideais. Oiça-se, nomeadamente, “I Don’t Hurt Anymore”, postura serena perante a morte, que adivinha aproximar-se. Ou “For The Good Times”, que carrega nostalgia mas também esperança e amor: “Don’t look so sad / I know it’s over /But life goes on /And this old world will keep on turning. / Let’s just be glad / We had this time / To spend together / There is no need to wath the briges / That we’re burning. / Lay your head upon my pillow / Hold your warm and tender body close to mine / Hear the whisper of the raindrops / Blowin' soft against the window / And make believe you love me one more time / For the good times.” Esta será, talvez, a derradeira declaração de amor a June por parte do seu marido…
O álbum abre com o tema-título; e de facto não há sepultura que contenha a vida de Johnny Cash, uma das personalidades bigger than life do Século XX e inícios do Século XXI. “Redemption Day”, versão de Sheryl Crow, troca o compasso pelo dedilhado; e “I Corinthian’s 15:55”, a última letra manuscrita por Johhny Cash (reproduzida no livrete que acompanha o CD) voga entre o gospel e o country, o seu território natural. Se o disco abre com uma música em que Cash demonstra saber que nem a morte o parará, “Aloha Oe” serve de encerramento perfeito para este American VI. Partindo duma balada tradicional havaiana, Johhny Cash organiza uma festa na praia, onde toca para os seus amigos (os que lhe sobrevivem e aqueles com que se irá reencontrar em breve), reunidos à volta duma fogueira capaz de iluminar a noite mais escura. Após distribuir colares de pedras (preciosas) musicais por todos, Cash desaparece mar adentro… vestido de preto, é claro.
Aloha!
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Publicado originalmente no Bodyspace, mais concretamente aqui.

Irmãos Catita @ Maxime - 29/1/2011

 
Nunca vira tamanho ajuntamento à porta do nº 58 da Praça da Alegria, mas também não era para menos. O icónico cabaret - casa de artistas e palco de jogadas de xadrez internacional - vai fechar portas e organizou uma festa de despedida à altura. Auf Wiedersehen, Goodbye, mas em grande estilo, juntando os Irmãos Catita e vários convidados de luxo. O site do Maxime anunciava «uma festa que fique nos anais e também nos orais (e até nos nasais...) do entretenimento em Portugal! Uma festa tremenda, soberba, excessiva, inesquecível, um acontecimento bestial com implicações no próprio Produto Interno Bruto, e até no clima do planeta». Bem a propósito, o dj passa “The End”, dos Doors, pouco antes da banda de Manuel João Vieira (MJV) entrar em cena. Chiquito está vestido de branco, como um africano de luto. Iniciam o show com “Lourenço Marques” e logo MJV cede o protagonismo ao parceiro (que mostra como é “Ser Moderno”), retomando o centro do palco em “Em Paris Há Gajas Boas”, que termina em alta rotação ska.
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Link para o artigo integral. Publicado originalmente no Bodyspace.

Brad Mehldau - Highway Rider



Um disco para regressar com fome de partir para a próxima jornada.

Ando há um tempo com este álbum na bagagem. Como se fosse um companheiro de viagem que não consigo abandonar. Sinto constantemente que preciso de voltar a escutá-lo antes de escrever sobre ele. Para distinguir as suas subtilezas e nuances. Como o facto de me parecer sempre que o disco só começa volvidos precisamente 1 minuto e 15 segundos da 2ª faixa (“Don’t Be Sad”), com o sax de Joshua Redman.
Este disco duplo (produzido por Jon Brion, responsável por bandas-sonoras de filmes como Magnólia ou O Despertar da Mente e com o qual Brad Mehldau não trabalhava desde Largo, já de 2002) foi considerado um dos melhores lançamentos do universo jazzístico de 2010 e revela-se, de facto, como o novo patamar que Brad Mehldau aspirava atingir. O pianista assume-o, no seu site, acrescentando, em notas ao disco, que procurou um casamento entre a composição e a espontaneidade, entre o não-arbitrário e o improviso. E, na verdade, a orquestra presente em alguns temas de Highway Rider constrói ambientes que permitem ao seu universo musical explanar-se por horizontes longínquos, com uma liberdade original.
Neste álbum, o seu piano (mais omnipresente noutras obras, especialmente na série Art Of The Trio) funciona como o GPS que dá as coordenadas das composições. Embora mais discreto, aglutina a miríade instrumental que nos leva a embarcar num percurso por paisagens sonoras em constante mutação. Ousa entrar por desertos hostis para depois matar a sede em rios e descer a pique por desfiladeiros antes de ascender, curva após contra-curva, a picos montanhosos de onde se alcança uma vista privilegiada. Embrenha-nos no frenesim citadino e os céus mudam de cor – a faixa nº 3 do 2º disco é para Elliott Smith –, numa navegação que deve ser desfrutada com tempo e de acordo com o itinerário proposto pelo seu autor. Não há lugar para audição de faixas isoladas ou em modo aleatório, pois não estamos perante uma sucessão de postais, mas sim diante da própria viagem. Afinal, como disse alguém, a parte mais valiosa da viagem não está no ponto de chegada, mas em tudo aquilo que é vivenciado durante o percurso.
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Publicado originalmente no Bodyspace, mais concretamente aqui

Feromona @ Clube Ferroviário - 27/1/2011

«Esperem só um bocadinho, que tenho as mãos geladas» - introduz Diego Armés antes de cortar a direito com “Bisturi”. Apesar da noite fresca, o vocalista da banda lisboeta tira o casaco de cabedal após aquecer com uns tragos de “Vodka”, e logo começam as trocas de mimos entre os manos que ocupam a frente e o fundo da Sala TGV. Sempre com Bernardo Barata a pôr achas na fogueira.
Pazes feitas, a seguir à “Conversa de Cama” o baixista arrisca uma piada que mete José Hermano Saraiva ao barulho; e Diego devolve, bem a propósito: «Um dia vou deixar de te ouvir». A Feromona é assim, profissional mas despretenciosa. E cada concerto reserva uma química invulgar, na qual o guitarrista João Gil, embora com uma postura reservada (que contrasta com a atitude dos colegas), ocupa um papel relevante.
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Link para o artigo integral. Publicado originalmente no Bodyspace.
Feedback no site da editora Amor Fúria.

Corey Harris - blu.black

 
Reggae’s Got Blues – Ou Será ao Contrário?

Corey Harris tem-se distinguido, desde o início da carreira, por manter a emotividades dos blues e misturá-la com outros elementos musicais, dos quais as influências caribenha e africana serão as mais identificáveis. O que resulta em trabalhos originais e ricos. Harris, que protagonizou um dos episódios da série televisiva Blues, produzida por Martin Scorcese, esteve este ano em Portugal por duas vezes – a primeira acompanhado pela Rasta Blues Experience, em Janeiro; depois, a solo, durante os Dias da Música do Centro Cultural de Belém, em Abril.
Quer numa quer noutra ocasião apresentou, sobretudo, músicas do seu último trabalho, blu.black. Este é o segundo álbum que Corey Harris lança pela Telarc Records – o primeiro foi Zion Crossroads – e, igualmente, a segunda obra em que aprofunda a sua relação com as sonoridades jamaicanas, especialmente o reggae de raiz. Existem canções de reggae puro, como “Conquering Lion”, “Run Around Girl” ou a tocante versão solo de “Columbus” (original do grande Burning Spear), mas não só. blu.black começa com “Black” e fecha com “Blues”. A primeira é tecida por uma melodia doce, em que a voz ao mesmo tempo suave e rugosa de Harris casa com os metais e o coro feminino. O encerramento do disco é à moda do Delta: teclas a compasso, guitarra amargurada e voz que extravasa os pulmões.
Entre uma e outra há o reggae, de que se falou atrás, blues mestiço – “My Song” –, composições a roçar a soul, como “Find a Way” ou “So Good To Me” e músicas que cruzam diversas influências de Harris, sempre de forma harmoniosa e refrescante. blu.black pode não ser (só) blues, mas é – inspirada – música negra de uma ponta à outra.
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Publicado originalmente no Bodyspace, mais concretamente aqui.