segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Fado continua a ser nosso, e agora é Património da Humanidade

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A UNESCO já consagrou o Fado como Património Imaterial da Humanidade, dando assim resposta positiva à respectiva candidatura portuguesa. Pouco antes deste reconhecimento oficial conversámos com Pedro de Castro, guitarrista (que costuma acompanhar nomes como Ana Sofia Varela, Ricardo Ribeiro, Kátia Guerreiro ou João Braga) e proprietário da Mesa de Frades, Casa de Fado de Alfama onde se podem ouvir alguns deste fadistas e ainda vozes do calibre de Celeste Rodrigues, Pedro Moutinho ou Joana Amendoeira.


Qual é o seu sentimento em relação a esta possibilidade de o Fado ser considerado Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO?

É um sentimento estranho. Fico muito feliz se ganhar, por haver um reconhecimento internacional de que o nosso Fado é um património que tem uma cultura própria e muito interessante, não só musical como social; porém, infelizmente nos últimos anos tem havido uma quantidade de influências externas ao Fado que têm deturpado esta realidade cultural. O pastel de bacalhau é uma coisa nossa, mas se lhe misturarmos ovas de esturjão e pusermos um ovo de codorniz por cima já não é a mesma coisa. Por exemplo, fiquei muito desgostoso por saber que vai haver agora um espectáculo em Nova Iorque chamado “Os Embaixadores do Fado” que, se no primeiro dia tem uma quantidade de fadistas, no segundo tem os Deolinda e os OqueStrada ou os Amália Hoje, que não são Fado nem gostam de fados mas estão a viver à conta da palavra Fado. A pergunta fundamental que tem de ser feita sobre esta classificação é «Qual é o Fado agora classificado como Património da Humanidade? A Mísia? A Amália Rodrigues? A Maria Teresa de Noronha? Os Amália Hoje? Referimo-nos a quê». Mas fico muito feliz se o Fado, como eu o conheço, for reconhecido pela UNESCO.

Considera, então, existir algum risco de o Fado ficar "misturado" numa secção muito alargada de world music oriunda de Portugal - ou seja, que, estando o Fado em voga e levando este "carimbo", existe um risco acrescido de projectos musicais que já não são Fado se tentarem colar ao Fado para daí ganharem visibilidade, e essa mistura/confusão ser nociva ao Fado genuíno?

Andam a tentar fazer isso (a tentar matar o Fado como ele é) há muitos anos. O Fado vem de uma origem muito pobre e humilde, muito simples de tocar – com a complexidade da simplicidade que tem, sempre teve virtuosos e pessoas que se profissionalizaram, mas na sua génese é uma canção de amadores –, mas a partir da introdução de elementos eruditos e intelectuais (dando até outro nível poético ao Fado) em algo muito popular e amador houve uma dualidade: começaram a surgir “fusões” ou “influências” para camuflar uma certa vergonha que alguns círculos intelectuais tinham do Fado. E é isso que faz com que se tente acabar com a origem. Mas, por mais que se tente matar ou deturpar, é muito complicado porque isto está muito enraizado e foi muito bem feito.

E que mais-valias pensa que esta nomeação pode trazer ao Fado?

Vai trazer visibilidade, sem dúvida. Se 5% ou 10% da população portuguesa presta atenção ao que realmente é Fado, haverá também alguma percentagem da população de outros países que se vai interessar pelo Fado, o que ajudará o Fado a chegar até mais gente.
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Publicado originalmente no Bodyspace, mais concretamente aqui.

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