terça-feira, 28 de junho de 2011

Júlio Resende Trio - You Taste Like a Song


«A que sabe a canção? A que sabe a música?» – as perguntas surgem das entranhas deste CD, e as respostas vão-se formando através das suas nove faixas. "Silêncio – For The Fado" inaugura o registo do trio encabeçado pelo pianista Júlio Resende, começando a levantar a ponta do véu. O tema começa calmo para depois abrir, uma e outra vez, como uma flor que rompe sedenta de vida, anunciando a Primavera de Bill Evans. A introdução de "Um Pouco Mais de Azul" partilha desta poesia, mas logo a composição se desdobra em arranques intercalados por pausas que sugerem uma dança entre os instrumentos. O tema-título aponta à dualidade do álbum, síntese entre lirismo e pujança. A composição, enérgica, é conduzida pelo piano mas a bateria de Joel Silva e o contrabaixo de Ole Morten Vagan marcam os compassos. "Hip-Hop Du-Bop" é outra das composições vibrantes. A bateria arrisca o efeito scratch e assistimos a uma disputa amigável entre groove e melodia. 

You Taste Like a Song vive também da abordagem a temas de outros compositores. A riqueza dos Radiohead constitui um factor de atracção para quem se move nos territórios da música experimental/improvisada, sucedendo-se versões das suas músicas. "Airbag" revela-se fiel ao espírito da composição original sem a mimetizar. O contrabaixo introduz nuances nas transições e o diálogo estabelecido com o piano faz a música progredir numa narrativa não-linear. Em "Who Did You Think I Was" (original de John Mayer) um baixo fortíssimo espera-nos logo à entrada, e juntam-se a ele o piano e a bateria – também em fúria – para comporem um tema pleno de garra, mais emotivo que racional. Para fechar, "Straight No Chaser". O standard surge vigoroso, com uma percussão quase tribal a abrir. Thelonious Monk foi um inovador do piano, com um approach invulgar – forte, tenso – do instrumento, que percutia como se fosse um tambor. E o trio de Júlio Resende mostra-se digno do legado deste e de outros mestres. A sua música sabe a amor e fúria, arrebata-nos a alma e mexe com o corpo.



Publicado originalmente no Bodyspace: artigo colectivo Clean Feed, 10 anos: improvisação sem limites.

Sem comentários:

Enviar um comentário