segunda-feira, 4 de julho de 2011

B Fachada - Deus, Pátria e Família

Fachada Militante Internacional
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Sinto-me como um herege que entra num templo alheio e aprecia a sensação. Confesso que nunca tinha reconhecido especiais méritos ao trovador de Cascais - dele se costuma dizer que ou se ama ou se odeia, certo? -, mas ajoelho-me perante este novo trabalho como um cristão-novo. É o cacarejar que se ouve no início (Portugal, apesar das décadas de integração europeia, continua um país tão periférico e atrasado que as galinhas continuam a picar o chão ainda livre de betume), a transição do suave drone para uma pianada irresistível ou a letra desbragada que capta o ar dos tempos como poucas.

"Portugal está para acabar / É deixar o cabrão morrer / Sem a pátria para cantar / Sobra um mundo para viver / Chegam flores do estrangeiro / Já escolhemos o coveiro / Por mim é para queimar / Mas não quero exagerar" (...). É fácil cair na comparação com o icónico 'FMI" - cerca de trinta anos depois, e a situação é de perturbante flashback -, mas Deus, Pátria e Família não se resume a um mero upgrade da obra de José Mário Branco. Promete desordenação e boicote porque "Já não chega a abstenção (...) Tamanha a piça do poder". Sim, nos próximos tempos a coisa vai doer. E nos cofres do Estado nem deve haver dinheiro para vaselina...

Musicalmente, este EP tem o cimento duma obra conceptual. Curto na duração (20 minutos certos) mas com fôlego e pontaria afinada. Não sei se Deus, Pátria e Família convencerá os velhos fãs do cantautor, mas os outrora cépticos - seja isto entendido de forma literal ou como eufemismo - encontrarão aqui uma excelente porta de entrada para um universo singular. Aprecie-se ou não o que está para trás, que o novo "EP de Verão" não é p'ra meninos.

Publicado originalmente no Bodyspace, mais precisamente aqui.

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