1: "Bomba Canção" - Diabo na Cruz
Folk moda punk de cortar a respiração e levantar os pés pelos
colarinhos, ou como detonar uma música em pouco mais de três minutos,
espalhando cacos pelo rectângulo. Bateria, guitarra e baixo em
vertiginoso ataque juntamente com a voz de Jorge Cruz, lançando pregões
atrás de pregões para varrer Portugal de lés-a-lés. Diga-se, em abono da
verdade, que esta música tem pujança suficiente para fazer abalar
fundações bem mais sólidas do que as deste país a cair de podre à conta
de moços de ovelhas que, durante as ultimas décadas, têm dado belos
presidentes com queda para presidiários. Convém ouvir várias vezes se
quisermos manter o rastilho aceso.
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2: "Como Calha" - B Fachada
A atmosfera rejubilante dos fluorescentes anos 80, com um batida
ultra-dançável revestida por sintetizador vaporoso, como se
regressássemos às festas de garagem da adolescência, que nos ajudaram a
perder a inocência por entre experiências alcoólicas e contactos no
quarto-escuro. Ou como se entrássemos numa discoteca que já não existe,
com bolas de espelhos e máquina de fumo, reaberta para uma noite
especial antes de ser devolvida aos arquivos da memória. Se tudo isto
não bastasse para rejubilarmos com esta viagem, sempre que escutamos
"Como Calha" redescobrimos uma das letras mais desconcertantes desta
colheita, que inclui "matar a velha das finanças / ou ser verde e
amoroso no andanças / a encher as freaks todas de esperanças e
lembranças / uma vida de caganças".
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3: "Sábado à Tarde" - Feromona
Uma das belezas da música é adaptar-se a determinadas situações e
momentos das nossas vidas. E esta é uma daquelas canções que apetece
ouvir em repeat sempre que há energia para fazer tudo aquilo que não tem
a ver com trabalho ou obrigações. Sejam actividades lúdicas (vaguear
sem rumo aparente, ir para a praia ver miúdas em biquini ou apanhar umas
ondas) ou programas que nos motivam especialmente, como discutir bola
com os amigos ou sair à noite e beber uns copos. Mas também serve de
banda-sonora perfeita para aqueles períodos em que nos apetece
simplesmente não fazer nada, gozar o dolce fare niente e aproveitar o
sol que brilha lá fora. Seja Julho ou Novembro.
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4: "Too Tough to Die" - Neneh Cherry & the Thing
Da revelação (e disco) pessoal da colheita 2012 há muito mais por onde
pegar, claro, mas esta malha condensa bastante do que faz de The Cherry Thing
um disco soberbo e que vai ganhando pontos a cada audição: camadas de
ritmo, experimentalismo e raiva. Free jazz e punk destilados em doses
generosas pelos instrumentos deste trio nórdico (destaque para o
saxofone lancinante de Mats Gustafsson) e uma voz que tem tanto de
melíflua como de ácida, doses repartidas de fragilidade e empowerment -
como se vítima e carrasco estivessem personalizados no espírito de Neneh
Cherry, resgatada de longo exílio musical para um conjunto de
prestações surpreendentes e que ficam registadas para memória futura.
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5: "C" - Black Bombaim
Se o terceiro trabalho destes rapazes é Titânico, a faixa para aqui
trazida não é menos do que Colossal. Começando no feedback e no riff
introdutórios, que preparam o terreno para a chegada do saxofone. Que
quando entra em cena é maior do que a vida, seja tocado em estúdio por
Steve Mackay ou em cima do palco por Pedro Sousa. Espécie de mescalina
sonora que se insinua pelos sentidos e expande a consciência com os
toques xamânicos cozinhados pela guitarra de Isaiah Mitchell. Tudo
cimentado pelo poder unificador/destrutivo do trio barcelense, que
altera cadências emocionais e acelera numa estrada sem fim à vista.
Dezasseis minutos de transe garantidos, ou pede-me o teu dinheiro de
volta.
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6: "Under the Spell of the Handout" - Cody ChesnuTT
A estética lo-fi e toda a vida de malandragem do maravilhoso The Headphone Masterpiece
já não moram aqui. Se, por um lado, este Homem descobriu Deus e agora
dá catequese a crianças, não se sentindo confortável a cantar músicas
como "Bitch, I'm Broke", por outro optou pela sofisticação para
construir as suas composições, por vezes orquestrais, onde se encontram
pérolas como esta, que mantém o groove como uma das matrizes de Cody
Chesnutt. Desde o piano da abertura à voz plena de soul, passando pela
guitarra e os metais, tudo nos faz estalar os dedos e colocar os olhos
no Céu, mesmo que aqui se fale de fome e falta de esperança na
democracia.
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7: "Dom Docas" - Pega Monstro
Bem sei que poderia ter optado pela maior complexidade e lirismo de
"Akon" ou "Suggah", temas que funcionam (e muito bem) como espécie de
contraponto neste álbum homónimo e abrem portas sonoras para o futuro
musical das manas Reis; mas a meu ver o ADN de Pega Monstro está mais
presente aqui. São 2:16 minutos de pura energia rock descarnada e sem
adornos supérfluos (guitarra e bateria ao despique, pois claro), com o
discurso directo e desassombrado de quem não tem problemas em repetir no
refrão que "há gajas que gostam de levar na boca". Já estas preferem
fazer malhas que partem os dentes de leite a muitos meninos.
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8: "Le Rêve" - Bro-X
Agora que meio Portugal (como o Jean-Pierre do sonho dourado em formato
de canção) volta a encontrar na emigração uma luz que brilha ao fundo
deste túnel profundo - chamemos-lhe instinto de sobrevivência ou
oportunidade, conforme sejamos realistas ou simplesmente enormes
filhosdaputa -, talvez seja útil voltarmos a desenferrujar a mistura da
língua materna com outros idiomas, seja o portunhol, o inglês de praia
ou este franciú de quem regressa em Agosto de vacances à província. Como
sempre fomos desenrascados, havemos de conseguir qualquer coisa para
nos safarmos além-fronteiras, nem que seja a improvisar como nesta
fábula versão manos do Xangai: "O que é que queres fazer? Eu faço
quelque chose."
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9: "Avejão" - Gaiteiros de Lisboa
Esta espécie de metáfora musicada a toque marcial conta com a valiosa
participação de Sérgio Godinho, que dá ainda mais força a uma das
melhores letras da estação. Este “Avejão” dos Gaiteiros faz crítica
social e intervenção satirizando, o que não está ao alcance de todos. E o
que se satiriza, então, aqui? Uma terra de patos (bravos, claro está)
que mais parece um vespeiro, na qual «andam todos à bicada / para chegar ao poleiro»». Um retrato tão realista que faz rir e dói ao mesmo tempo, como se estivéssemos a ler passagens dos «Maias»
e déssemos por nós a reflectir que isto não mudou grande coisa. O resto
são coros e sopros a lembrar uma enorme gaiola cheia de pássaros
esgrouviados.
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10: "Here Before" - DJ Ride
O grande das Caldas regressa dos títulos mundiais de scratch (se
em 2011 ele e o colega Beatbomber Stereossauro trouxeram o primeiro
lugar para Portugal, este ano acabaram de conquistar a prata) com um
disco menos arrojado em termos electrónicos do que o antecessor Psychedelic Sound Waves,
mais próximo de registos que tinham o hip hop e o jazz como pontos de
partidas referenciais. Nesta música faz uma síntese de luxo entre esses
dois universos, batidas e efeitos em harmonia com a participação de
Sarah Linhares, que nos transporta para um espaço e um tempo que
misturam sonho e dança.
p.s. - menção especial para outro malhão deste ano que conta com o
talento de Ride no scratch: “Erasmus Girls”, de DJ Renato Alexandre.
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